Por Marinella Silva Laport
Professora do Instituto de Microbiologia, Departamento de Microbiologia Médica, Laboratório de Bacteriologia Molecular e Marinha
Os oceanos cobrem mais do que 70% da superfície da Terra e são considerados uma grande reserva de recursos naturais. Entretanto, a extensa biodiversidade marinha, especialmente dos microrganismos, é ainda é muito pouco conhecida. Tem-se estimado que a diversidade biológica em ecossistemas marinhos seja maior do que nas florestas tropicais.
Os invertebrados marinhos, como as esponjas (Filo Porifera), representam um importante alvo para o estudo de interações simbióticas. As esponjas são organismos bentônicos sésseis e filtradores, de morfologia e fisiologia simples e estão entre os mais antigos animais multicelulares (Metazoa). São extremamente eficientes na obtenção de alimentos a partir da água circundante. Elas habitam uma grande variedade de sistemas marinhos e de água doce (um pouco mais restrito) e são encontradas em todas as regiões tropicais, temperadas e polares. Atualmente, há cerca de 8.686 espécies de esponjas válidas em todo mundo, destas, 515 espécies tem sido identificadas no Brasil. Mas ainda há muito para ser descrito.
As esponjas marinhas tem sido o foco de interesse de muitos estudos, devido a dois fatores principais (e muitas vezes inter-relacionados): (i) elas formam associações com uma grande variedade de microrganismos e (ii) são uma rica fonte de metabólitos secundários biologicamente ativos.
A relação simbiôntica entre o invertebrado marinho e a sua microbiota, dificulta a cultura dessas bactérias na ausência do hospedeiro. De fato, estima-se que apenas 1% dos microrganismos seja cultivável, no contexto de ecossistemas naturais. Entretanto, a cultura bacteriana revela-se essencial para a pesquisa de novos compostos bioativos já que as bactérias produzem, de modo rápido, grande quantidade de biomassa e, consequentemente, de metabólitos secundários biologicamente ativos, sem necessitar coletar ou cultivar a esponja. Além disso, a cultura pura de bactérias isoladas se faz essencial para os estudos de entendimento sobre sua interação ecológica. A falta de culturas puras para a maioria dos microrganismos associados aos invertebrados contribuiu para uma escassez de conhecimentos sobre suas características fisiológicas.
O nosso grupo tem se dedicado ao estudo das associações entre esponjas e bactérias, principalmente na pesquisa de novas substâncias antimicrobianas contra microrganismos de importância médica. Recentemente, identificamos o sulfato de halistanol como uma das substâncias com excelente ação antibacteriana isolada da esponja Petromica citrina. Este foi o primeiro estudo do tema nesta espécie e que é encontrada, até o momento, apenas no litoral brasileiro.
Como muitas vezes as bactérias associadas as esponjas produzem metabólitos bioativos para a sua sobrevivência no hospedeiro, assim como, muitos hospedeiros são dependentes desta microbiota, desde 2006, o nosso grupo isolou e caracterizou cerca de 2.500 estirpes bacterianas de esponjas do litoral brasileiro e francês. Cerca de 15% destas apresentam alguma atividade antimicrobiana contra bactérias de importância médica.
Além da produção de antimicrobianos, também caracterizamos bactérias isoladas de esponjas produtoras de outros compostos com potencial biotecnológico, como o caso de biosurfactantes, enzimas, moléculas sinalizadoras de quorum sensing e relacionadas com a formação de biofilmes marinhos.
Muito pouco é conhecido sobre a comunicação, ou sinalização química, entre invertebrados marinhos e os microrganismos associados. Provavelmente, muitos dos metabólitos secundários produzidos pelas esponjas, por exemplo, poderiam facilitar a seleção a favor ou contra determinados tipos de microrganismos. Bactérias capazes de produzir moléculas sinalizadoras de quorum sensing (AHLs) já foram isoladas de esponjas marinhas, assim como outras moléculas sinalizadoras putativas, como as dicetopiperazinas (DKPs). Assim, substâncias pertencentes à classe das dicetopiperazinas foram isoladas de estirpes de Pseudomonas spp.associadas a esponja Haliclona vansoesti coletada no Rio de Janeiro. Provavelmente, estas substâncias, que também apresentam excelente atividade antibacteriana, estejam relacionadas com a sinalização química no hologenoma desta esponja.
As bactérias marinhas formadoras de biofilme e/ou produtoras de biosusfactantes também podem atuar como bioindicadoras em processos de biorremediação em ambientes contaminados com óleo e metais pesados. Em um estudo com 100 estirpes isoladas de esponjas marinhas do litoral do Rio de Janeiro, observamos que 71% destas foram capazes de produzir biofilme. Além disso, o perfil de resistência às formas orgânicas e inorgânicas do mercúrio (Hg) também foi verificado. Vinte e uma estirpes demonstraram ser resistentes ao Hg, dentre as quais, 15 foram classificadas como altamente resistentes, em virtude do seu crescimento na presença de 100 mM de HgCl2. Quinze das 21 estirpes resistentes foram capazes de reduzir Hg2+ a Hg0 e apresentaram o gene merA em seus genomas. Quatro das 6 estirpes restantes demonstraram produzir biossurfactantes, sugerindo a tolerância ao Hg pelo sequestro desse metal. Onze estirpes cresceram em presença de metilmercúrio (MeHg), duas em meio contendo 2,5 µM de MeHg, quatro com 10 µM, e cinco com 20 µM.
Enfim, ainda há uma grande lacuna a ser preenchida nas pesquisas no que dizem respeito a exploração sustentável das potenciais aplicações biotecnológicas das esponjas marinhas e de sua microbiota associada (Figura 1).
Figura 1: Exemplos de potenciais aplicações biotecnológicas de bactérias associadas a esponjas marinhas: (a) Desenvolvimento de novas substâncias antimicrobianas para o tratamento de infecções bacterianas; (b) Produção de enzimas, como por exemplo a urease. Esta é uma importante característica ecológica de alguns endosimbiontes de esponjas que contribuem para o ciclo do nitrogênio, graças a capacidade de produzir a urease que converte uréia em amônia; (c) Indicadores biológicos e biorremediação: as bactérias associadas as esponjas são bioindicadoras ideais, especialmente no monitoramento da poluição marinha causada por metais pesados, onde muitas apresentam elevados perfis de resistência ao mercúrio, chumbo e/ou cádmio. E ainda, como consequência deste fenótipo de resistência, estas bactérias podem ser usadas nos processos de biorremediação graças a sua capacidade em converter os metais pesados em elementos atóxicos, como por exemplo, redução de Hg+2 em Hg0; (d) Muitas bactérias marinhas produzem biofilmes e estes tem sido utilizados em processos de remediação de águas residuais; (e) Produção de biosurfactantes, onde estes compostos tem apresentado excelentes resultados em experimentos de recuperação de águas contaminas por óleos e/ou metais pesados.
Referências:
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