Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

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INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PAULO DE GÓES

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03/12/2015

Doença de Chagas: quando a ameaça vem pela boca

Por  Felipe  Soares

Matéria escrita para a disciplina “Tópicos de Divulgação Cientifica” do programa de pós-graduação em Ciências (microbiologia) do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

Países em desenvolvimento, como o Brasil, muitas vezes são palco de doenças relacionadas à carência de infraestrutura e de um sistema de saúde eficaz. Essas enfermidades são conhecidas como doenças negligenciadas. Tais doenças apresentam em comum o fato de serem causadas por parasitos, que são organismos que sobrevivem em hospedeiros, retirando deles meios para sua sobrevivência. Apesar de responsáveis por 12% da quantidade global de doenças, a atenção voltada a essas doenças por parte da indústria farmacêutica com a produção de fármacos voltados ao tratamento destas totalizam 0,01%. No Brasil, a situação é delicada, pois concentra a maioria dos casos de algumas dessas doenças negligenciadas.

A doença de Chagas, considerada uma doença negligenciada, é causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi. É comum alguns pacientes chagásicos desenvolverem problemas cardíacos e no esôfago. A principal forma de transmissão é feita por insetos triatomíneos, conhecidos como barbeiros, que se alimentam de sangue humano ou de outros animais. Durante sua alimentação, este inseto libera dejetos fecais contendo vários parasitos, que podem atravessar a pele através da lesão da picada ou de outras lesões. A principal forma de contenção da doença é feita a partir do controle do inseto transmissor. No ano de 2006, o Brasil ganhou a certificação internacional de erradicação da transmissão da doença de Chagas pelo barbeiro da espécie Triatoma infestans, considerado o principal transmissor no país. Apesar do êxito, outras espécies de barbeiros continuam transmitindo a doença. Além disso, outras maneiras de contágio que não envolve diretamente o vetor são responsáveis pelo surgimento de novos casos nos últimos dez anos, como por exemplo, o contágio por transfusão sanguínea, transplante de órgãos, via neonatal ou oral.

A transmissão oral, ao longo dos últimos quinze anos, foi responsável pelo aparecimento de diversos surtos da doença de Chagas no Brasil. Ela é resultado da ingestão de alimentos contaminados com material fecal dos barbeiros contendo os parasitos, ou menos ocasionalmente, pelo contato oral com secreções da glândula de cheiro de gambás (Figura 1), que concentram um número considerável de parasitos infecciosos. Outras possíveis situações são a contaminação dos utensílios usados na preparação de alimentos, que se armazenados de forma incorreta, podem ficar expostos aos próprios barbeiros ou a baratas e moscas que entraram em contato previamente com fezes de barbeiros contaminados. O consumo de sangue de mamíferos por algumas tribos indígenas da Amazônia também pode ser um alvo de contaminação.

Figura 1: Representação esquemática da transmissão oral que envolve a ingestão de alimentos contendo fezes de barbeiros infectados.

Fonte: Guia para vigilância, prevenção, controle e manejo clínico da doença de chagas aguda transmitida por alimentos. PAHO, 2009.

No ano de 2006, a forma de contaminação por via oral foi classificada como potencial risco para a Saúde Pública no Brasil. Neste mesmo ano, houve a confirmação de 115 casos da doença de Chagas nas regiões Norte e Nordeste, sendo 94 casos por via oral. A maioria dos casos foi por ingestão de açaí contaminado, um alimento essencial na dieta da população da Região Norte (Figura 2). 

Figura 2: Açaí, principal causa das infecções orais no norte do Brasil.

Fonte: http://querosaude.com.br/beneficios-acai-voce-sabe-quais-sao/

Registraram-se, também neste período, surtos pela ingestão de Bacaba e de cana-de-açúcar. No ano seguinte, a situação foi semelhante, como mostra o quadro a seguir. 

Apesar da maioria dos casos recentes, notificados no país, serem de responsabilidade do consumo do suco de açaí fresco, outros vegetais, como a cana-de açúcar, podem ser processados juntamente a barbeiros contaminados. Em 2005 foi relatado um surto de doença de Chagas no estado de Santa Catarina, relacionado ao consumo de caldo de cana. Além dos vegetais, carne crua, sangue de mamíferos e leite cru podem apresentar riscos de contaminação. Infelizmente, nos dias de hoje a situação não melhorou. Regularmente acontecem surtos em locais isolados, sempre apontando o açaí como principal veículo de contaminação. Em 2014 houve surtos no norte do Tocantins e no começo de 2015, em algumas cidades do Amazonas.

Algumas recomendações precisam ser seguidas por países que apresentam transmissão oral de doença de Chagas, como por exemplo, que a doença seja incluída no grupo das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) pelos órgãos nacionais encarregados da inocuidade de alimentos nos países endêmicos, e que os mesmos fomentem suas estratégias de prevenção e controle. À comunidade científica compete fomentar investigação básica sobre tema, para o desenvolvimento de conhecimento sobre transmissão oral de T. cruzi, que propicie a sua melhor interpretação epidemiológica e direcionamento das ações de prevenção e controle.

Bibliografia

Assad, L. (2010). Doenças negligenciadas estão nos países pobres e em desenvolvimento.Ciência e Cultura,62(1), 6-8.

Organização Pan Americana da Saúde. (2009). Guia para vigilância, prevenção, controle e manejo clínico da Doença de Chagas aguda transmitida por alimentos.

Cavalcanti, L. P. D. G., Rolim, D. B., Neto, R. D. J. P., Vilar, D. C. L. F., Nogueira, J. O. L., Pompeu, M. M. D. L., & Sousa, A. Q. D. (2009). Microepidemia de doença de Chagas aguda por transmissão oral no Ceará.Cad. saúde colet.,(Rio J.),17(4).

Agência nacional de vigilância sanitária. Informe Técnico – nº 35 de 19 de junho de 2008.

RECOMENDAÇÕES, C. E. (2006). Consulta técnica em epidemiologia, prevenção e manejo da transmissão da doença de Chagas como doença transmitida por alimentos.

Fregonesi, B. M., Yokosawa, C. E., Okada, I. A., Massafera, G., Costa, T. M. B., & Prado, S. D. P. T. (2010). Polpa de açaí congelada: características nutricionais, físico-químicas, microscópicas e avaliação da rotulagem.Revista do Instituto Adolfo Lutz (Impresso),69(3), 387-395.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd240305c.htm

http://conexaoto.com.br/2014/12/18/ingestao-de-alimento-contaminado-pode-ser-causa-de-surto-de-doenca-de-chagas

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