Fernando Portela Câmara.
Prof. Associado, Chefe do Setor de Epidemiologia, IMPG – UFRJ
Entre 540 e 200 milhões de anos atrás a geografia do nosso planeta era bem diferente. Os diversos continentes de hoje eram um só, tendo a África como centro. Esse Continente Primordial foi denominado Pangea 1, e o único oceano que então existia foi denominado Pantalassa.
Há 175 milhões de anos atrás, no início do Jurássico Médio, Pangea separou-se em dois supercontinentes: Gondwana, formado pelas atuais África, América do Sul, Austrália e Índia, e Laurásia, formado pelas atuais América do Norte, Europa, Ásia e Ártico 1, 2.
O recorte da costa leste do Brasil se encaixava perfeitamente na costa ocidental da África, formando um núcleo tropical. As evidências geológicas e fósseis parece não deixar duvidas 1. Nessa região emergiram os mais terríveis vírus que a humanidade viria conhecer, quando as riquezas das selvas começaram a ser exploradas e as grandes viagens marítimas iniciaram a integração comercial e humana dos atuais continentes. Alguns desses vírus, como o Ebola, só emergiram das selvas na década de 1970 quando o homem, pela primeira vez, invadiu seus antigos ecossistemas. Alguns desses vírus ainda não foram contactados, e alguns deles estão adormecidos no fundo da selva Amazônica.
Após quarenta anos pesquisando e produzindo trabalhos sobre esses agentes cheguei à conclusão de que os vírus considerados os mais perigosos do planeta teriam um fator comum entre eles: teriam se originado, recombinado e evoluído em uma região que identifico à terra primitiva que os geomorfologistas denominaram de Pangea. Estava organizando o dados filogenéticos e geoepidemiológicos para elaborar uma hipótese de trabalho quando me deparei com o monumental trabalho de Gilberto Osório de Andrade (1912-1986), geógrafo e polímata pernambucano, grande estudioso sobre a origem da febre amarela urbana na América do Sul, que em um trabalho propôs a seguinte hipótese para a origem do vírus da febre amarela:
Zoonose talvez mesmo anterior à existência do homem que, em relação aos vetores das grandes endemias e a quase todos os ramos do reino animal, foi um retardatário no globo terrestre e é mais recente do que os seus parasitas. Pelo que cabe plenamente a suposição de que o agente causal da febre amarela, doença animal, participe do estoque de formas vivas comuns à África e à América e anteriores à ruptura da crosta na qual durante o período cretáceo (…) foi se instalando e alargando progressivamente o Atlântico até alcançar a largura que tem hoje (…) A febre amarela aparece exclusivamente na África tropical e nas Américas Central e do Sul, embora a área de repartição do A[edes] aegypti abranja também a costa oriental africana, as Índias, as ilhas do Oceano Índico e o Extremo Oriente, uma vez que nos dias atuais o mosquito africano, graças à intensificação sempre maior das comunicações, fez-se endêmico em toda a zona intertropical e mesmo subtropical.
(Note que o conceito de doença emergente e sua globalização já estão presentes nos escritos de Osório de Andrade.)
Denominei esses vírus que teriam evoluído desde Pangea de Panvírus, que compreende o vírus da febre amarela, seu protótipo, os filovírus, arenavírus, e alguns outros ainda em estudos. São vírus muito antigos, que existem muito antes de os dinossauros erguerem suas cabeças e o homem começar a caminhar sobre a terra.
1. Benton, M.J. Vertebrate Palaeontology (Third edition), Oxford: Oxford Univ. Press, 2005.
2. Zeeya Merali, Brian J. Skinner, Visualizing Earth Science, Wiley,Yale Univ., New Haven, Connecticut) , 2009
3. Andrade, GO. Origem da febre amarela urbana na América do Sul, Ciência e Trópico, Recife, jul/dez, 1976; 4(2): 189-202
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