Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

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INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PAULO DE GÓES

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27/05/2015

Antracimicina: futuro protótipo de uma nova classe de agentes antimicrobianos?

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Um exemplo promissor desta última assertiva é o novo antibiótico antracimicina (Figura 1), produzido pela estirpe Streptomyces halstedii CNH365, isolada a partir de sedimentos marinhos coletados na costa da Califórnia. A antracimicina é uma substância tricarbocíclica pertencente à classe dos policetídeos, e a sua estrutura química única poderia levar ao desenvolvimento de uma nova classe de antibióticos.

Atualmente, o seu maior risco está associado à utilização dos esporos como arma de guerra biológica e no bioterrorismo. Em 2001, uma semana após o ataque ao World Trade Center, um grupo terrorista enviou envelopes contendo esporos de B. anthracis para diferentes localidades dos Estados Unidos. Esta ação resultou em 22 casos de antraz confirmados, incluindo cinco mortes por antraz pulmonar. Dada a gravidade desta doença, aliado ao fato dos esporos poderem ser dispersos na forma de aerossóis, o desenvolvimento de novos agentes antibióticos para o tratamento desta infecção vem se tornando um objetivo prioritário para os Estados Unidos.A antracimicina apresentou potente atividade inibitória contra Bacillus anthracis em uma concentração mínima inibitória (CMI) de 0,031 µg/ml. Este microrganismo é o agente etiológico do carbúnculo hemático, também conhecido como antraz. 

Normalmente, o antraz afeta mamíferos herbívoros, principalmente bovinos, equinos e caprinos, podendo casualmente contaminar o homem pelo contato com animais ou materiais infectados. De acordo com a via em que os esporos (Figura 2) foram contraídos, a infecção apresenta três diferentes formas de contágio: cutânea (manifestação mais comum), inalatória (letal em 95% dos casos) e gastrointestinal.

A antracimicina também foi capaz de inibir o crescimento de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (methicillin-resistant S. aureus – MRSA), em uma CMI de 0,062 µg/ml. Esta bactéria é responsável por infecções primárias da corrente sanguínea, infecções de pele e tecidos moles e infecções no trato respiratório inferior. Estirpes de MRSA adquiriram prevalência expressiva nas opulações adulta e pediátrica em ambiente hospitalar, sendo encontradas nos hospitais brasileiros com variações entre 30% e 60%.

O clone responsável pela maioria das infecções por MRSA no Brasil, chamado clone epidêmico brasileiro (Brazilian epidemic clone – BEC), apresenta resistência a múltiplas drogas. Clindamicina, sulfametoxazol-trimetoprima, ciprofloxacina e gentamicina são ativos contra MRSA-BEC a uma taxa menor do que 10%, restando como alternativa terapêutica para as infecções graves causadas por estas bactérias o uso dos antibióticos glicopeptídicos (teicoplanina e vancomicina), das estreptograminas (quinupristina/dalfopristina), das oxazolidinonas (linezolida) e dos lipopeptídeos cíclicos (daptomicina).

Além das bactérias anteriormente citadas, a antracimicina também foi capaz de inibir outros patógenos Gram-positivos, tais como Enterococcus faecalis (CMI = 0,125 µg/ml) e Streptococcus pneumoniae (CMI = 0,25 µg/ml). Por outro lado, esta droga se mostrou pouco efetiva contra bactérias Gram-negativas, apresentando CMIs entre > 128 e > 256 µg/ml. A síntese de um análogo da antracimicina, a dicloro-antracimicina, demonstrou que a adição de cloro à estrutura aumentou a habilidade do composto em penetrar na parede celular de bactérias Gram-negativas. A dicloro-antracimicina foi ativa contra Haemophilus influenzae, Burkholderia thailandensis, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa, com CMIs variando entre 4 e 32 µg/ml.

Embora o mecanismo de ação não tenha sido totalmente elucidado, resultados obtidos a partir de experimentos de marcação metabólica indicaram que a antracimicina atua inibindo a síntese de DNA e de RNA. Além disso, estudos preliminares in vivo demonstraram que esta substância foi capaz de conferir significativa proteção (90% de sobrevivência) em camundongos CD1 infectados com MRSA.

O último antibiótico isolado a partir de fontes naturais foi a daptomicina, em 1986. Este composto, produzido por uma estirpe de Streptomyces roseosporus, pertence à classe dos lipopeptídeos cíclicos e foi aprovado para o tratamento de infecções causadas por bactérias Gram-positivas em 2003.

O estudo apresentado acima foi desenvolvido pelo grupo do Professor William Fenical, do Instituto Scripps de Oceanografia (California, USA), e publicado no periódico científico alemão Angewandte Chemie. O isolamento da antracimicina indica que o ambiente marinho, que representa cerca de metade da diversidade global, constitui uma rica fonte que precisa ser explorada visando o desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos para compor o arsenal terapêutico contra microrganismos multirresistentes.

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