Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

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INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PAULO DE GÓES

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16/04/2015

Mutualismo e parasitismo em bactérias: As duas faces da mesma moeda

Laboratório de biologia de anaeróbios

Por Leandro A. Lobo e Regina M.C.P. Domingues

A maneira como micro-organismos e seus hospedeiros se associam pode oscilar radicalmente, desde uma interação benéfica de mutualismo, em que a interação entre esses dois organismos pode ser tão íntima a ponto de um não viver sem o outro, até o parasitismo, em que um micro-organismo se beneficia em detrimento do organismo hospedeiro. Em um artigo publicado na revista Science em julho de 2012, Somvanchi e colaboradores analisaram a fundo a interação de simbiose entre a bactériaPhotorhabdus luminescens e o nematóide Heterorhabditis bacteriophora, que juntos infectam, matam e se reproduzem em insetos hospedeiros. A bactéria na sua forma mutualistica (forma M) é verticalmente transmitida para as formas juvenis do nematóide em desenvolvimento dentro do nematóide adulto e as coloniza graças à expressão de uma proteína filamentosa de superfície, a fimbria Mad (maternal adhesion). Quando as formas jovens infecciosas (JI) do nematóide colonizam o inseto hospedeiro, essas bactérias são regurgitadas e se multiplicam produzindo toxinas inseticidas. O cadáver do inseto passa a ser utilizado pelo nematóide como fonte de nutrientes e abrigo. No inseto, essas bactérias também produzem proteínas (CipA e CipB) ricas em aminoácidos essenciais indispensáveis para o crescimento do nematóide e antimicrobianos que evitam que microrganismos concorrentes se multipliquem na carcaça do inseto. Nesse estágio, as bactérias se encontram na sua forma patogênica (forma P). Surpreendentemente, as diferenças entre as formas M e P da bactéria se devem a uma simples inversão do promotor bacteriano que controla a expressão do locus Mad. Esse controle do tipo liga/desliga é mediado por uma invertase bacteriana chamada MadO e ocorre de forma estocástica. Nesse artigo, os autores manipulam geneticamente uma cepa dePhotorhabdus luminescens de forma que esta permaneça “travada” na forma M ou P. Análises fenotípicas demonstraram que a bactéria na forma mutualista (M) possui menores dimensões, crescimento mais lento, capacidade limitada de produção de diversas antimicrobianos, enzimas e proteínas importantes na infecção do inseto e consequentemente uma virulência reduzida em um modelo de infecção em larvas de Galleria mellonella (uma espécie de mariposa). Apesar de prevalente no nematóide adulto e da óbvia vantagem adaptativa das formas P, as formas M são preferencialmente transmitidas à prole graças à expressão da adesina Mad. À medida que o nematóide amadurece, as formas P prevalecem. Quando alcança a forma juvenil infecciosa, já esta “armada” para o combate com o inseto hospedeiro.

É interessante notar que bactérias da espécie Bacteroides fragilis, que fazem parte da microbiota intestinal humana controlam a expressão de um dos seus mais importantes fatores de virulência, a cápsula polissacarídica, de forma similar. Estruturalmente, esses polissacarídeos compõem um complexo iônico de moléculas referido como Complexo Polissacarídico Capsular (CPC) que é capaz de induzir a formação de abscessos intra-abdominais em animais de experimentação. Em 2001, Krinos e colaboradores demonstraram que a espécie é capaz de modular seus antígenos de superfície pela expressão de até oito polissacarídeos capsulares distintos (PSA-PSH) através de um mecanismo do tipo “liga – desliga” de promotores contendo inversões reversíveis de segmentos de DNA. Isto quer dizer que a espécie é capaz de exibir uma ampla combinação de polissacarídeos de superfície, o que pode ter grande implicação na sua manutenção no hospedeiro, seja em sítios infecciosos ou em populações de microbiota. Apesar do inquestionável papel do CPC na patogênese das infecções causadas por B. fragilis, recentemente foi verificado que o polissacarídeo A (PSA) ajuda a proteger o hospedeiro de doenças inflamatórias intestinais (MAZMANIAN, ROUND & KASPER, 2008).

O artigo de Somvanshi e colaboradores descreve, de forma elegante, como um processo aleatório e extremamente simples de regulação gênica pode promover mudanças marcantes na fisiologia celular de Photorhabdus luminescens e na sua interação de parasitismo/cooperação em diferentes hospedeiros. Mas não devemos esquecer que nós mesmos vivemos uma íntima e dinâmica associação com milhares de espécies bacterianas da nossa microbiota que possuem mecanismos de regulação gênica extramente semelhantes ao descrito em P. luminescens. De forma similar, o balanço entre agressão e cooperação na nossa microbiota está em constante mudança, evidenciando a importância e fragilidade desse tipo de interação.

Referências:

SOMVANSHI VS, SLOUP RE, CRAWFORD JM, MARTIN AR, HEIDT AJ, KIM KS, CLARDY J, CICHE TA. A single promoter inversion switches Photorhabdus between pathogenic and mutualistic states.Science. 2012 Jul 6;337(6090):88-93

KRINOS, C.M.; COYNE, M.J.; WEINACHT, K.G.; TZIANABOS, A.O.; KASPER, D.L. & COMSTOCK, L.E. Extensive surface diversity of a commensal microorganism by multiple DNA invertions. Nature, 414, 555-558, 2001.

MAZMANIAN, S.K.; ROUND, J.L. & KASPER, D.L. A microbial symbiosis factor prevents intestinal inflammatory disease. Nature, 453, 620-625, 2008.

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