Por Profª. Maria Bellio, Chefe do Departamento de Imunologia, para eLIFE.
Após se diferenciarem no timo a partir de precursores vindos da medula óssea, as células T migram para a periferia e ficam circulando entre os órgãos linfoides secundários. Quando reconhecem os antígenos derivados dos patógenos, através da interação com as células apresentadoras de antígeno, sofrem mais um evento de diferenciação, agora gerando células efetoras ou de memória. Os linfócitos T CD4+, cuja função é auxiliar outros tipos celulares (T helper ou Th em inglês), podem se diferenciar em Th1, Th2, Th17 ou ainda outros subtipos, cada um deles secretor de um conjunto particular de citocinas. As células Th1, grandes produtoras de interferon gama (IFN-g), são necessárias para uma resposta efetora eficiente contra patógenos intracelulares, tais quais vírus e certos parasitas unicelulares, como o Trypanosoma cruzi, agente etiológico da Doença de Chagas.
Sabe-se que a resposta imunitária inata, induzida pelos patógenos, é capaz de modular a resposta Th, direcionando-a para um ou outro subtipo. Embora nosso conhecimento sobre este fenômeno tenha crescido muito nos últimos anos, ainda há muitos detalhes sobre este processo a serem desvendados. No nosso trabalho recentemente publicado na revista eLIFE, demonstramos que, no modelo murino de infecção pelo T. cruzi, a sinalização via o receptor da interleucina IL-18 (IL-18R), que depende da molécula adaptadora MyD88, é crucial para uma robusta resposta Th1. Mais do que isso, demonstramos que esta sinalização se dá diretamente no linfócito T CD4+ e não de forma indireta, pela ação sobre outros tipos celulares. Para isso, construímos animais quiméricos, através do transplante misto de medula óssea (MO). Assim, foi possível comparar num mesmo animal, linfócitos T que expressam as moléculas IL-18R e MyD88 (que derivam da MO selvagem ou WT) com outros que não as expressam, visto que derivam da MO de animais nocaute (KO) para os genes que as codificam. Verificamos que só as células que expressam IL-18R e MyD88 conseguem se diferenciar plenamente em Th1.
Além disso, o experimento de microarranjo de RNA, nos qual fizemos a comparação entre os genes expressos nos linfócitos T CD4+ do tipo WT e nos linfócitos T CD4+ Myd88-KO, ambos purificados de animais quiméricos infectados com o T. cruzi, revelou que conjuntos de genes envolvidos na diferenciação para células de memória, na resistência à apoptose, ou ainda na proliferação celular, estão aumentados nas células T CD4+ do tipo WT, mas não nas T CD4+ Myd88-KO.
Em suma, nosso trabalho contribui para aumentar o entendimento dos mecanismos necessários para a diferenciação dos linfócitos T CD4+ em células Th1. Esse conhecimento é importante para o desenvolvimento de vacinas e imunoterápicos que visem a expansão da resposta Th1 em particular.
O estudo do sistema imunitário e, principalmente, de suas interações com os demais sistemas do organismo e com a microbiota cresceu muito nos últimos anos. Estes avanços puderam ser alcançados, entre outros, graças à construção de novas linhagens de camundongos, nas quais determinado gene pode ser nocauteado somente em um tipo celular específico. No Brasil, ainda dependemos da importação de qualquer animal transgênico ou nocaute e o bioterismo ainda está muito aquém do ideal na UFRJ, embora indubitavelmente tenhamos melhorado muito. No nosso artigo, sete diferentes linhagens de camundongos foram utilizadas. Infelizmente, a crise que atinge em cheio a ciência brasileira, com os cortes drásticos de verbas, nos faz prever um enorme retrocesso, o qual será inevitável se não houver uma imediata retomada dos investimentos.
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