Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

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INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PAULO DE GÓES

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26/01/2020

Pesquisadora do IMPG, Profª. Luciana J.da Costa, analisa a infecção por Coranavírus

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Casos de pneumonia grave e fatalidades por Infecção por novo Coronavírus na China disparam alerta de risco de nova epidemia de Doença Respiratória Aguda. No Brasil, caso isolado de Febre Hemorrágica Brasileira por Arenavírus no estado de São Paulo, é acompanhado de perto pelo Ministério da Saúde. Aqui segue resumo sobre o problema, comentado, por uma docente do IMPG especialista em virologia, Profa. Luciana Jesus da Costa.

Novo Coronavirus emerge e se dissemina mundialmente; Febre Hemorrágica Brasileia por Arenavírus

Nas duas semanas finais de dezembro de 2019, casos de pneumonia causada por agente desconhecido foram reportados às autoridades de saúde de Wuhan, província de Hubei, na China. Os sinais e sintomas observados nos pacientes diagnosticados com este quadro de pneumonia levantaram a suspeita de possível infecção por Coronavírus, e assim colocaram as autoridades de saúde chinesas em alerta imediato.
A imediata preocupação é consequência de que, no ano de 2002, o mundo conheceu pela primeira vez o potencial grave e fatal de infecções por Coronavírus em humanos. Neste ano houve uma epidemia de SARS-CoV – ou Coronavírus associado à Severe Acute Respiratory Syndrome (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que se alastrou a partir da China e abrangeu outros 26 países. A gravidade desta epidemia foi demonstrada pelas altas taxas de mortalidade: cerca de 13% na população com menos de 60 anos de idade, e chegaram a 43% na população com mais de 60 anos de idade.

A suspeita de infecção por Coronavírus se deve à similaridade dos sinais e sintomas destes casos recentes (2019-2020) com os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave por SARS-CoV registrados durante a epidemia de 2002.

Os casos clínicos da epidemia de 2002 foram inicialmente registrados como casos de pneumonia atípica. E incluíam sintomas tais como febre, mal-estar, dores musculares, dor de cabeça, diarreia, calafrios, dores de garganta e dificuldade ao respirar. Nenhum dos sinais ou sintomas isoladamente ou em conjunto são suficientes para o diagnóstico específico da SARS, uma vez que outras infecções respiratórias também os apresentam (por exemplo – gripe). Além disso, tosse (inicialmente seca) e falta de ar aparecem e/ou persistem na primeira a segunda semanas de infecção. Os casos graves costumam evoluir rapidamente, progredindo para desconforto respiratório agudo e requerem tratamento intensivo.

Nos casos atuais, amostra de um paciente hospitalizado na China foi rapidamente coletada e enviada aos laboratórios chineses que fazem a vigilância de casos de SARS no país. Em cerca de 2 semanas os pesquisadores chineses foram capazes de descartar a presença nesta amostra do SARS-CoV, MERS-CoV, influenza, influenza aviária, adenovirus e outros patógenos comuns que causam doença respiratória. Os estudos permitiram identificar por testes laboratoriais específicos, os quais incluíram amplificação do genoma viral por PCR e sequenciamento do genoma viral completo, a presença de um Coronavírus. Foi possível então verificar que apesar de ser um Coronavírus, este não é o SARS-CoV, e sim um vírus até então desconhecido, e que apresenta cerca de 70% de semelhança de seu genoma com o genoma do SARS-CoV. Este vírus tem sido denominado 2019-nCoV.

Infecções por Coranavírus em humanos já eram conhecidas anteriormente a 2002, mas em sua maioria apresentavam sinais e sintomas de infecções respiratórias brandas com alta taxa de transmissão direta pessoa a pessoa. Estas infecções respiratórias mais brandas são causadas por CoV adaptado a infecção de humanos.

O que mudou em relação ao SARS-CoV, e agora ao 2019-nCoV, foi a gravidade e letalidade das infecções, e até o momento, em relação ao 2019-CoV, uma baixa taxa de transmissão pessoa a pessoa.
Os Coronavírus são um grupo diverso de vírus conhecidos por causar doenças respiratórias e entéricas em humanos e em diversas outras espécies de animais. Estes vírus são divididos em 3 grupos: os grupos 1 e 2 contêm os vírus com potencial de infectar mamíferos, enquanto no grupo 3 estão agrupados os vírus com o potencial de unicamente infectar aves. As análises moleculares do SARS-CoV indicaram que ele não é classificado em nenhum dos três grupos previamente conhecidos, tendo maior proximidade genética com o grupo 2. Esta característica está de acordo com o fato já estabelecido que a epidemia de SARS ocorreu a partir da transmissão zoonótica do SARS-CoV.

Na epidemia de 2002 a principal suspeita é que as transmissões tenham ocorrido a partir do contato de humanos com animais infectados nos mercados de venda de carne. Foi demonstrada uma ligação genética entre o SARS-CoV que causou as infecções em humanos e Coronavírus encontrados nos gatos-almiscarados (também chamados de cilveta ou gato-de-agália), pequenos mamíferos africanos-asiáticos, cuja carne é ou era consumida em diversos locais, principalmente na China.

Imagina-se assim que o reservatório do SARS-CoV na natureza sejam os morcegos, os quais eventualmente tenham transmitido estes vírus aos gatos-almiscarados e a partir deste a transmissão zoonótica aos humanos. Mas estas continuam sendo especulações. Os casos atuais só reforçam a importância da continuidade dos estudos que tentam identificar os possíveis reservatórios destes vírus e suas formas de transmissão.

Em relação ao SARS-CoV, a partir desta transmissão inicial, as principais transmissões posteriores aconteceram por um contato muito próximo dos pacientes com SARS e seus cuidadores, seja no contato residencial, mas principalmente hospitalar, na ausência de precauções contra a disseminação de patógenos adequadas. Estas transmissões devem ter ocorrido principalmente na segunda semana de infecção, a qual corresponde ao pico de excreção de vírus nas secreções respiratórias e nas fezes dos indivíduos infectados, e quando os casos graves começavam a mostrar deterioração do quadro clínico.
No caso do SARS-CoV, uma vez tendo-se conhecido a forma de transmissão e assim implementado as práticas de controle adequadas, o surto global chegou ao final.

Em relação ao 2019-nCoV, o estudo epidemiológico dos casos iniciais de pneumonia mostrou que os indivíduos em Wuhan haviam frequentado regularmente os mercados de frutos do mar e venda de animais na região, apontando assim para a possível origem zoonótica dos casos. A análise do genoma do 2019-nCoV foi publicada em artigo científico de 22 de janeiro no Journal of Medical Virology, e ali fica claro que este novo Coronavírus está relacionado com Coronavírus que circulam em morcegos, mais uma evidência da origem zoonótica da infecção.

Até o momento foram confirmados 557 casos da doença na China (mais de 270 casos na cidade de Wuhan – 25% dos casos são de alta gravidade) e 17 fatalidades (taxa de mortalidade de 4%). Uma destas mortes ocorreu em um paciente com condições clínicas pré-existentes. Os casos já se espalharam para outras localidades chinesas e para fora do território chinês. Apesar dos meios de comunicação já terem relatado números maiores de casos e fatalidades, estes ainda necessitam de confirmação. Os casos da doença em outros países são: Tailândia (2 casos), Japão (1 caso) e Coréia do Sul (1 caso), e agora Estados Unidos (1 caso) e Singapura relataram a ocorrência de casos em seus territórios, todos relacionados a pessoas expostas ao vírus na localidade de Wuhan.

Esta semana as autoridades de saúde chinesas confirmaram que a transmissão do 2019-nCoV também ocorre por contato próximo pessoa a pessoa.

Dada a pronta resposta das autoridades de saúde e pesquisadores chineses no reconhecimento dos casos, suas vias de transmissão e caracterização do novo vírus, a probabilidade de contenção do espalhamento deste vírus e consequentemente surgimento de novos casos é alta. Desta forma, não há motivo para pânico. Com base em todos os dados deste recente surto e da experiência passada com a epidemia de SARS, a Organização Mundial da Saúde já lançou para as autoridades de saúde de todos os países e para a população em geral recomendações a respeito de como proceder a fim de evitar novas transmissões.

Em Wuhan, na China, todos os profissionais de saúde e contatos próximos aos primeiros casos da infecção pelo 2019-nCoV estão sendo acompanhados de perto a fim de permitir um diagnóstico precoce da doença.
As ações institucionais incluem o monitoramento, em aeroportos, da temperatura corporal dos viajantes que chegam de voos provenientes das regiões com casos confirmados de 2019-nCoV, o aumento da vigilância em hospitais, clínicas e postos de saúde, com o aumento das medidas básicas de precaução de transmissão – principalmente a lavagem frequente das mãos, e de equipamentos de proteção individual. Outra medida necessária é o reforço de recursos materiais e de pessoal treinado para lidar com este novo patógeno que foi introduzido na população.

As ações individuais para evitar novas contaminações incluem: evitar o contato desprotegido com pessoas visivelmente doentes (com sinais de resfriado ou gripe), evitar contato desprotegido com animais de fazenda ou selvagens, lavar frequentemente as mãos com sabão e água corrente e utilizar álcool gel para higiene das mãos. Outras medidas incluem lavar as mãos com sabão e água após tossir ou espirrar, quando estiver cuidando de pessoas doentes, antes e durante o preparo de alimentos, após contato com animais, e após utilizar o banheiro. Evitar o uso de banheiros públicos. Tapar a boca e nariz com lenço de papel ou com a parte interna do antebraço flexionado ao espirrar ou tossir. Só consumir carnes e ovos muito bem cozidos. As autoridades de saúde pública dos diferentes países, junto com a OMS, vêm reforçando a educação da população mundial para tais recomendações.

Frente a atual situação, a OMS ponderou que ainda não são necessárias medidas como a emissão de alertas de recomendação de interrupção de viagens para as regiões afetadas com casos de 2019-nCoV, nem de interrupção de comercio com essas regiões. Porém, a OMS acompanha de perto os acontecimentos relacionados ao surto de 2019-nCoV, e ainda está avaliando a se irá ou não declarar a situação como Emergência Internacional de Saúde Pública Até o momento a atuação das autoridades de saúde chinesas tem sido exemplar e eficaz na contenção inicial da transmissão, e a pronta resposta das redes de colaboração locais e internacionais para o reconhecimento dos casos e caracterização do patógeno, sua via de contaminação e transmissão, mostram a importância da manutenção da vigilância das doenças infecciosas. É importante dizer que não existe tratamento específico para esta doença, mas o pronto tratamento dos sinais e sintomas é importante na recuperação dos pacientes.

A autoridades da cidade de Wuhan decidiram no dia 22 de janeiro interromper os transportes aéreo, ferroviário e demais transporte públicos na cidade para conter o espalhamento do vírus. Uma decisão que se baseou no aumento local do número de casos nos últimos dias.

Globalmente, novos Coronavírus emergem periodicamente em diferentes áreas, a exemplo do SARS-CoV em 2002, e do MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) em 2012. Assim, fica clara a importância da manutenção da vigilância contínua das infecções por esses vírus.

Aqui no Brasil a notificação, em 20 de janeiro último, de um caso fatal de Febre Hemorrágica Brasileira causada por um novo Arenavírus acendeu um importante alerta.

Arenavírus fazem parte de um grupo de vírus que na natureza infectam roedores silvestres, os quais são considerados reservatórios naturais destes vírus. A infecção de humanos por esses vírus é considerada uma zoonose e a transmissão acontece principalmente a partir da inalação de aerossóis procedentes de urina, fezes e saliva de roedores infectados, contendo partículas de vírus. As infecções por Arenavírus em humanos são graves (febres hemorrágicas e/ou meningites) e com alta taxa de mortalidade. Existem cerca de 26 diferentes Arenavírus conhecidos até o momento, sendo que no Brasil já foram descritos 5 diferentes Arenavírus, 4 deles circulam em roedores. Os países que fazem fronteira com o Brasil (Argentina, Bolívia e Venezuela) são regiões onde febres hemorrágicas causadas por Arenavírus são endêmicas.

O primeiro caso de febre hemorrágica por arenavírus (Febre Hemorrágica Brasileira – FHB) no Brasil aconteceu na década de 1990 e foi causada pelo Arenavírus Sabiá. O último relato de Febre Hemorrágica Brasileira ocorreu há mais de 20 anos.

O período de incubação da doença é de 7 a 21 dias. Os sintomas iniciais são febre, mal-estar, dores musculares, manchas vermelhas no corpo, dor de garganta, dor no estômago e atrás dos olhos, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz, constipação e sangramento de mucosos (nariz e boca).

Neste caso recente de Febre Hemorrágica Brasileira, foi identificada a presença de um Arenavírus com 90% de semelhança com o vírus Sabiá.

Até o momento não se sabe a fonte de contaminação, mas o Ministério da Saúde Brasileiro indica que este seria um caso isolado e de transmissão restrita e por isso não há indicação de risco para trânsito de pessoas, bens e mercadorias no território nacional. As autoridades de saúde brasileira estão acompanhando de perto o desenrolar do caso.

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